Quem poderia dizer não a um projeto que promete acesso à Internet para todas e todos? Starlink, uma constelação global de satélites de baixa órbita (LEO), dominou a imprensa em 2023 com anúncios do seu serviço em vários países africanos. Finalmente, banda larga para todos! Parece o caso perfeito de uma solução tecnológica que resolve um desafio antes insolúvel. Mas nem tudo pode ser o que parece.
Editorial da 27ª edição
Esta edição da PoliTICs expõe alguns dos principais desafios para o cultivo da Internet democrática e voltada ao exercício de direitos e justiça social. Da regulação de serviços “over-the-top” aos riscos de terrorismo facilitados pelo avanço das tecnologias da informação e da comunicação, além de uma extensa análise sobre as possíveis abordagens para a governança da Internet, articulando aspectos técnicos e políticos.
Nesta edição, publicamos dois ensaios e um prêambulo sobre serviços “over-the-top” (OTTs): o último busca contextualizar as atuais disputas em torno do conceito e como elas podem impactar em sua regulação. Você pode não ter ouvido falar em OTTs como esse conjunto de letrinhas, mas elas constituem algumas das mais famosas aplicações que utilizamos cotidianamente nas redes. Nosso preâmbulo procura elucidar sobre o que são e como a União Internacional de Telecomunicações (UIT) os definiu recentemente, buscando trazer, para seu colo, a responsabilidade de regulá-las – ao menos em parte. O texto institucional do Observatorio Latinoamericano de Regulación, Medios y Convergencia, um think tank latinoamericano que integra a iniciativa da Fundación Libertis, propõe um conjunto de 10 diretrizes para a regulação desses serviços, de forma a garantir o exercício de direitos humanos, diante da crescente importância e do impacto desses provedores de serviços na sociedade. A advogada da PROTESTE Flávia Lefèvre, por sua vez, defende que precisamos mais de aplicação das leis atuais do que da aprovação de novas regulações – uma vez que já dispomos de uma série de instrumentos regulatórios que não têm sido observados.
Wolfgang Kleinwächter, Professor Emérito da Universidade de Aarhus, ex-membro do Conselho da ICANN, analisa o reequilíbrio entre o papel das organizações políticas e as técnicas no ecossistema global de governança da Internet, em um contexto de crescente importância das primeiras na definição de políticas públicas. Apresenta as abordagens multissetoriais que envolvem setores governamentais e não-governamentais, bem como iniciativas inovadoras que promovem uma “colaboração mais estreita entre criadores de código e criadores de leis”. Kleinwächter nos apresenta uma valioso mapa de áreas temáticas da governança da Internet e em que organizações – tanto técnicas como políticas e/ou governamentais – elas são debatidas.
Zach Aysan, cientista especialista em cibersegurança dedicado à defesa de melhor qualidade de vida nas cidades e membro da iniciativa comunitária CityAction em Toronto, nos apresenta novos problemas de cibersegurança causados pela transformação de carros em computadores. “Se hackear um jipe é tão simples quanto hackear um servidor, e os servidores são rotineiramente violados, então onde estão todos os carros hackeados?” Os veículos autônomos abrem brechas extremamente sensíveis para a segurança das pessoas. Aysan chama então a atenção das autoridades para o risco premente de carros, que são hoje computadores, serem hackeados e tornarem-se armas. À primeira vista, sua hipótese pode parecer exagerada, ou mesmo um roteiro de ficção científica, mas Aysan apresenta elementos muito concretos para sustentar sua preocupação e a necessidade de os governos tomarem medidas para prevenir ataques cibernéticos por meio do uso de máquinas como carros.
Boa leitura!